No dia 7 de Julho, Hozier se apresentou no Finsbury Park, no Reino Unido. No outro dia, conversou com um jornalista sobre os mais diversos assuntos: rotina da turnê, dificuldades na infância, sucesso de "Too Sweet" e sobre ter sido apelidado carinhosamente de "rei das lésbicas". Tudo isso enquanto comia uma salada e tomava café em um restaurante de Londres. Confira a nossa tradução:
Foto por Brian Karlsson/Eyevine
Por Ludovic Hunter-Tilney (Financial Times)
No começo deste mês, uma das maiores estrelas da Irlanda fez seu maior show como headliner no Reino Unido. O local foi o Finsbury Park, um parque municipal no norte de Londres - que estava enlameado pelas chuvas, mas fortuitamente ensolarado quando Hozier se apresentou. Ele agradeceu a plateia por coletivamente mandar embora as nuvens cheias do verão úmido britânico.
Esticando meu pescoço para ver o cantor, me lembrei da frase enigmática de seu último álbum, Unreal Unearth "Existem limites para o vazio?," ele pergunta em uma de suas músicas. No Finsbury Park, a resposta está na frente dele. Vazio enquanto ele passava o som horas antes, o parque agora acolhia 45 mil pessoas, uma multidão oscilante de longas cabeças à distância.
No outro dia, eu encontro Hozier em um hotel chique, em outra parte da cidade. O músico de nome completo Andrew Hozier-Byrne, está sentado com uma salada Caesar e um café preto no fundo de uma sala de jantar, de costas para outro parque de Londres, o Kensington Gardens. Alto e magro, com seus cabelos longos presos em um coque, ele tem uma atitude atenciosa.
Depois do show da noite anterior, ele havia ficado "muito ligado até tarde", ele me diz. A razão foi a adrenalina, na verdade, não uma noite de festa. A "hora do gin", citando outra música dele, não existe na agenda da turnê de Hozier.
"Quando eu era mais novo eu costumava festar mais," diz o cantor de 34 anos, cutucando sua salada. "Eu não era maluco, mas hoje em dia percebo que eu funciono melhor e sou mais feliz quando durmo bem e bebo menos. Numa turnê é preciso se manter bem, manter seu corpo e sua mente em um nível funcional."
Foto por Matt Jelonek
Sua turnê atual acontece uma década depois de "Take Me To Church", seu primeiro hit gospel-blues que fala sobre sexo e pecado, que conquistou o mundo em 2014. Alguns pensaram que havia sido por acaso, que o jovem artista com seu violão vindo do Condado de Wicklow estava destinado a ser um artista de um hit só. Mas ele segue sendo bem sucedido. Em Abril, ele se tornou o primeiro artista irlandês a ter um single em primeiro lugar nos EUA, com sua música "Too Sweet", desde Sinead O'Connor em 1990.
A próxima parte da turnê acontecerá nos EUA. Junto com os shows, ele fará uma apresentação no Newport Folk Festival em Rhode Island, um acontecimento icônico no calendário da música. É onde o revivalista folk Pete Seeger, empunhando um machado, ameaçou cortar o cabo de alimentação quando Bob Dylan trocou o folk acústico pelo rock elétrico em 1965. Hozier já tocou no festival outras vezes. Ele costumava vasculhar a internet atrás de vídeos de músicos folk que já subiram nesse palco.
"Logo que o YouTube surgiu [depois de 2005], foi um jeito de eu assistir todos essas vozes que eu só havia escutado por CD e na coleção de álbuns do meu pai," ele diz. "Eu via filmagens de Skip James tocando ou Muddy Waters tocando."
O amor por esses artistas antigos de blues surgiu através de seu pai, John Byrne, um baterista de blues. Sua mãe, Raine Hozier-Byrne, é uma artista que fez a capa de seus dois primeiros álbuns, 'Hozier' em 2014 e 'Wasteland, Baby!' em 2019. Ele inicialmente cresceu em Blackrock, no subúrbio de Dublin, quando seu pai mudou de carreira de um músico de shows para o salário estável de um trabalho de escritório. A família se mudou para a área rural do Condado de Wicklow, sul da cidade, quando Hozier ainda era pequeno.
Sua infância foi repleta de soul clássico, R&B e blues. E as músicas dele também. Juntamente com suas letras poéticas, ele é considerado o Van Morrison da Irlanda, uma forma de rock 'n' soul céltico. Ele tem uma voz poderosamente ressoante, em um momento cantando intimamente como se estivesse falando no ouvido de quem está ouvindo, e no outro está dando os gritos do blues. O estilo vem naturalmente para ele. "Não existe uma persona ou algo do tipo que eu tenha criado para o palco," ele diz.
"Too Sweet" deve seu sucesso ao TikTok, onde estourou antes mesmo de ter sido oficialmente lançada como single. Mas Hozier não segue a lógica do "sempre online" do estrelato pop atual.
"Houve um tempo em que eu compartilhava mais da minha vida pessoal nas redes sociais," ele diz, "mas eu me sentia mais alienado do que conectado. Se você está se obrigando a estar lá, nada autêntico vai sair."
Quando Hozier ainda era um menino, seu pai sofreu uma grave lesão após uma cirurgia espinhal que deu errado. "Eu não entraria muito nisso", diz ele sobre o impacto disso em sua vida. "Eu com certeza vivi um grande conjunto de coisas desafiadoras e difíceis ainda bastante novo - ver alguém que você ama sofrendo. Mas toda essa experiência moldou a forma como eu vejo o mundo."
Aos 16 anos, ele se juntou ao coral tradicional Anúna, cantando músicas tradicionais de diferentes épocas e lugares. Ele estudou música na Trinity College, universidade em Dublin, mas largou quando a Universal Music da Irlanda o ofereceu horários no estúdio para gravar suas músicas.
"Take Me To Church" foi um hit que estourou lentamente. Lançada em 2013, a música viralizou devido ao videoclipe, que mostrava cenas de repressão sexual e falava sobre a Igreja Católica da Irlanda e a homofobia institucionalizada na Rússia. A música foi adotada como um hino LGBTQIA+.
No Finsbury Park, ele terminou seu espetáculo amarrando uma bandeira LGBT ao pedestal do microfone. Sua popularidade na comunidade estava clara pela quantidade de casais do mesmo gênero no local, especialmente casais de mulheres. Alguns fãs vão ainda mais longe e o chamam de "rei das lésbicas".
Ele dá uma risada tímida quando eu menciono esse digno apelido. "É um apelido extraordinário," ele concorda, com os olhos fixos para baixo, como se estivesse organizando seus pensamentos. "Acho que isso é parte de fazer um trabalho, ver ele crescer, mudar e ser interpretado e adotado. Eu não sei o que dizer sobre ser o 'rei das lésbicas' e esse tipo de coisa. Mas me sinto honrado," ele diz agora me olhando, "que a música tenha significado tanto para as pessoas."
O Unreal Unearth, para mim, é seu melhor álbum. Ele carrega influências pesadas com uma naturalidade impressionante. A capa do álbum, a qual mostra sua boca sorrindo, foi parcialmente influenciada pelo monólogo de Samuel Beckett na peça Not I, onde apenas a boca do ator fica visível. As músicas são inspiradas nos círculos do Inferno de Dante. James Joyce é uma referência frequente em suas músicas, enquanto as últimas palavras de Seamus Heaney's no leito da morte - "Noli timere" ("Não sinta medo" em Latim) - estão tatuadas em seu braço.
"Certamente como um músico irlandês ou qualquer pessoa que escreve na Irlanda, o trabalho de Joyce e do Heaney formou grandiosamente a consciência criativa coletiva," ele diz. A ideia de que esses nomes da literatura são muito elevadas para serem usadas na música popular é estranha para ele. "Esse é um exemplo de trabalho que eu acredito pertencer a todas as pessoas, independente de você ter uma graduação ou não. É uma pena não celebrar e aproveitar isso."
Sua turnê acaba em Novembro na Nova Zelândia. Terão mais dias torcendo para que a chuva pare e mais noites deitado na cama ouvindo o zumbido após tocar ao vivo. "Tem momentos que você pensa, "OK, tem 45 mil pessoas aqui e todas estão cantando sua música',"ele diz. "É um momento maravilhoso."
Matéria original de: https://www.ft.com/content/71f9a5d2-da55-466a-aeaf-a3c641b7b3e4?countryCode=BRA
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